A oportunidade que a MP da Eletrobras oferece ao setor de P&D
*Amilcar Guerreiro
A Câmara dos Deputados aprovou, no último 19 de maio, a Medida Provisória (MP) 1.031/21, que dispõe sobre a desestatização da Eletrobras. Muitos aspectos foram objeto de intensas discussões por especialistas. Sem tanto barulho, um ponto em particular não deve passar despercebido. Trata-se da aplicação de recursos em pesquisa e desenvolvimento (P&D).
O texto aprovado mantém, como condição da desestatização, a obrigação, por um período predeterminado, de contribuições da Eletrobras ao Centro de Pesquisas de Energia Elétrica – Cepel, principal instituição de P&D do setor elétrico brasileiro, embora amenize essa transição ao estender tal prazo de quatro para seis anos. Mas, por outro lado, traz inovações que podem ser vistas como promissoras para a área de P&D.
De fato, a MP oferece reais oportunidades para Instituições de Ciência e Tecnologia (ICT), como o Cepel, na medida em que estende a todos os agentes setoriais a opção de aplicar em instituições dessa natureza, desde que vinculadas ao setor elétrico, e com isto ter satisfeita sua obrigação regulatória de investir em P&D.
A inovação introduzida pelo relator Elmar Nascimento é, mesmo, alvissareira. É sabido que o financiamento de P&D no setor elétrico com verbas provenientes da receita operacional das empresas tem privilegiado a aplicação em projetos específicos, com resultados aquém da expectativa, como é reconhecido pela própria Agência Nacional de Energia Elétrica – Aneel. A criação, pela Agência, de chamadas públicas para desenvolvimento de temas de interesse, os chamados P&D estratégicos da Aneel, em contraposição a projetos específicos propostos pelos agentes setoriais, é evidência desse reconhecimento.
Com efeito, a aplicação em P&D não deve se limitar ao apoio a projetos específicos. Dessa forma, negligencia-se o elemento central do ecossistema de inovação, que são as ICT.
As ICT têm a capacidade de percorrer todo o ciclo de vida das iniciativas em inovação tecnológica, desde a pesquisa básica, nível que se refere às atividades de pesquisa científica, inclusive do tipo acadêmica, até se obter um sistema real aprovado por meio de operações bem-sucedidas, nível alcançado quando o objeto da pesquisa está integrado e operando, sendo apropriado pelos agentes do mercado. Entre um e outro nível, percorre-se a escala de maturidade tecnológica, o que é possível somente quando ICT são envolvidas. Quando as aplicações em P&D se restringem a projetos específicos, tal percurso fica prejudicado ou é até interrompido.
O Cepel tem várias evidências de pesquisas que se transformaram em soluções absorvidas pelo mercado, como as aplicadas na supervisão e controle de sistemas elétricos, no diagnóstico da performance de equipamentos, na análise do comportamento e das perturbações da rede, em ferramentas para gestão da sustentabilidade, entre outras.
Permitir que parte dos recursos disponíveis no setor elétrico para aplicação em P&D possa ser dirigida ao suporte e ao custeio dessas ICT evita a dispersão de investimentos e contribui para que retornos substantivos, que exijam maior tempo de maturação, possam ser alcançados. E ainda pode significar redução de custo para as empresas na medida da redução das despesas com a gestão da aplicação desses recursos.
Captar recursos junto às empresas que têm a obrigação regulatória de aplicar em P&D constitui, assim, um grande desafio para as ICT. O Cepel, como uma delas, não está indiferente a este quadro. Ao contrário, está se preparando para enfrentar as transformações, não só de governança, mas regulatórias e setoriais que se avizinham. E tem amplas condições de superar, com eficiência, o desafio que se coloca, capitalizando o amplo reconhecimento de sua excelência técnica.
*Amilcar Guerreiro é diretor-geral do Centro de Pesquisas de Energia Elétrica – CEPEL e ex-diretor da Empresa de Pesquisa Energética – EPE e ex-secretário de Energia do Ministério de Minas e Energia – MME