Sobre as razões para ter ou não ter o preço horário
Amilcar Guerreiro*
Raul Balbi Sollero**
André Luiz Diniz***
São inequívocos os benefícios que a adoção do preço horário trará para a gestão do sistema elétrico brasileiro. A clara e definitiva melhoria na representação das características e dos fenômenos de um sistema que se transformou substancialmente na última década, e que prossegue em rápida evolução, desautoriza qualquer posição em contrário.
As contribuições à Consulta Pública nº 71/2019 (CP 71) do Ministério de Minas e Energia (MME) corroboram esse entendimento. De fato, é consenso que a nova forma de precificação da energia trará significativo avanço no grau de aderência do preço da energia à realidade operativa, ao se passar de preços semanais, referidos a blocos de carga não cronológicos, que não capturam adequadamente efeitos como variabilidade e intermitência na produção das novas fontes renováveis, para preços horários, com uma representação detalhada da geração e da transmissão de energia, assim como da carga a ser atendida.
Não há consenso, contudo, quanto à oportunidade da introdução dessa mudança na data programada. Muitos concordam que, atendidas determinadas condições, o preço horário possa vigorar a partir de 1º de janeiro de 2020, como previsto originalmente pela Comissão Permanente para Análise de Metodologias e Programas Computacionais do Setor Elétrico (CPAMP). Mas há também quem advogue pela dilatação do prazo para a introdução das mudanças inerentes a esse processo.
Até em razão de seus propósitos estatutários, o CEPEL, que desenvolve o modelo matemático DESSEM, peça-chave do suporte técnico de todo este processo, não irá imiscuir-se nas questões institucionais e regulatórias, sobretudo as de natureza comercial, subjacentes à discussão. Impõe-se, porém, que se afastem quaisquer ilações pelas quais eventuais questionamentos quanto à estabilidade do modelo ou à necessidade emergencial de seu aprimoramento venham a figurar entre os motivos para postergar a introdução da nova metodologia. Evidência eloquente disso é que o modelo de cálculo não foi o foco das contribuições dos agentes que propuseram adiamento da implantação do preço horário no decorrer da CP 71.
Com efeito, o DESSEM, como instrumento de apoio à programação diária da operação, está pronto e funcionando de forma consistente, segundo os requisitos especificados. Todas as condições estabelecidas pelo Operador Nacional do Sistema Elétrico (ONS) e pela Câmara de Comercialização de Energia Elétrica (CCEE) foram tempestivamente atendidas ao longo de um contínuo e exaustivo processo de implementação, ajustes e validação de novas funcionalidades, que se estende desde setembro de 2017, e que contou, inclusive, com a participação dos agentes.
Mesmo algumas limitações impostas pela tecnologia de programação matemática do solver acoplado ao modelo de otimização do CEPEL (diga-se de passagem, de amplo uso em todo o mundo) têm sido contornadas. Desde abril do ano passado, ONS e CCEE vêm praticando o que o mercado chama de “operação-sombra”, em que os preços semi-horários e os balanços de energia obtidos com o modelo são publicados no site dessas instituições, mais recentemente, em um timing compatível com o processo real a ser realizado diariamente. Esta operação já produziu 433 resultados de programações diárias simuladas, sendo que os 185 casos publicados desde janeiro de 2019 incluem todas as funcionalidades definidas e consolidadas para o modelo. Note-se ainda que essa “operação-sombra” se estenderá até o momento da efetiva implantação do preço horário, permitindo ampliar a análise dos resultados do modelo.
Por óbvio, o modelo admite simplificações. Do contrário, não seria um modelo, e, sim, a própria realidade. Mas, deve-se reconhecer que a amplitude e o detalhamento da representação das características e restrições operativas das usinas hidrelétricas e termelétricas e das demais fontes, em especial as gerações eólica e solar, conjugadas ao grande porte do sistema elétrico brasileiro e à complexidade do problema de otimização tratado pelo modelo, conferem ao DESSEM o atributo de ser uma ferramenta no estado da arte, tanto no Brasil quanto no exterior.
Não restam dúvidas de que o processo de aperfeiçoamento da modelagem deva ser permanente. Mas isso, com certeza, não pode se constituir em razão para desaconselhar a entrada do preço horário daqui a seis meses. Definitivamente, se há razões para o adiamento, e pode ser que as haja, são outras.
*Diretor-Geral do Cepel
**Diretor de Pesquisa, Desenvolvimento e Inovação do Cepel
***Gerente do Projeto DESSEM e chefe do Departamento de Otimização Energética e Meio Ambiente do Cepel
no setor elétrico brasileiro.
(*) Amilcar Guerreiro é Diretor-Geral do CEPEL e ex-diretor de Energia Elétrica da EPE